As fundações têm legitimidade para pedir recuperação judicial, pois exercem atividade social-empresarial pelos mesmos meios que as empresas e promovem atividades econômicas da maior importância social. Além disso, não há vedação legal expressa a tal hipótese.
Assim, a 2ª Vara Cível de Três Corações (MG) confimou a autorização ao processamento da recuperação judicial da Fundação Comunitária Tricordiana de Educação (FCTE), que mantém a Universidade Vale do Rio Verde (UninCor) e seu colégio de aplicação.
A decisão reconhece de forma definitiva o direito da fundação privada à recuperação judicial e, na prática, garante o funcionamento da instituição de ensino, que tem cerca de três mil alunos e quase 470 funcionários.
Histórico
A instituição acumulou dívidas fiscais e trabalhistas em função da crise de Covid-19 e de problemas de gestão. Em maio, um ex-presidente da fundação foi preso e três membros da então diretoria foram indiciados por lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa, devido a um suposto desvio superior a R$ 50 milhões.
No último mês de setembro, a juíza Fernanda Machado de Moura Leite já havia antecipado os efeitos do deferimento do processamento. Com isso, suspendeu todas as ações e execuções contra a fundação pelo prazo de 180 dias e nomeou um escritório especializado como administrador judicial. Tais medidas foram mantidas na nova decisão.
Após a concessão da liminar, a FCTE informou que conseguiu pagar as folhas de pagamento que estavam por vencer. Por isso, pediu o deferimento oficial do processamento de sua recuperação judicial para poder negociar suas dívidas vencidas e manter sua atividade econômica.
Abrangência da lei
Fernanda analisou o artigo 47 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, que traz o princípio da preservação da empresa, e notou a ausência de menção ao termo “empresário” ou “sociedade empresária”. O dispositivo, na verdade, ressalta que o objetivo da recuperação é permitir a manutenção da “fonte produtora”.
Para a juíza, a expressão “fonte produtora” seria mais abrangente que os termos “empresário” ou “sociedade empresária”. Poderia ser interpretada como “o agente econômico que exerce a atividade que produz algum bem de valor no mercado”.
Assim, na visão dela, “é necessário ampliar o conceito dos entes ou agentes econômicos capazes de serem submetidos ao regime da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência, visando a preservação da empresa (atividade)”.
Ou seja, a função da recuperação é manter a atividade produtiva, “independentemente do tipo da pessoa jurídica de direito privado e do modo como ocorre o seu registro formal”. A lei não se aplicaria somente àqueles registrados como “empresário” ou “sociedade empresária”.
A magistrada lembrou que o ordenamento jurídico brasileiro vem permitindo a recuperação judicial, por exemplo, para associações civis de futebol e produtores rurais inscritos na junta comercial.
Proteção da fundação
Apesar de não repartirem lucros entre sócios, as fundações, no entendimento de Fernanda, desempenham o papel de empresárias, pois exercem a “atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, conforme o artigo 966 do Código Civil.
A juíza destacou que os serviços educacionais da FCTE são “de fundamental importância para o desenvolvimento da região onde estão localizadas a sua sede e as unidades operacionais”.
A fundação também possui receitas e despesas significativas, além de estrutura administrativa, organizacional e física semelhante a muitas sociedades empresárias.
A constatação prévia feita pelo administrador judicial indicou que “há viabilidade econômico-financeira na atividade exercida pela fundação”. Desta forma, “os malfeitos decorrentes da gestão anterior não têm o condão de prejudicar ou obstar a sua recuperação financeira e seu soerguimento no mercado”, de acordo com Fernanda.
A ação foi patrocinada pelo escritório Marcello Macêdo Advogados. Segundo o advogado Uri Wainberg, a FCTE agora “vai poder equalizar o seu passivo” e “pagar os credores, incluindo os colaboradores, fornecedores, prestadores de serviço, além do Fisco” — o que “beneficia também a comunidade local”.
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Processo 5008213-59.2022.8.13.0693
Fonte: Consultor Jurídico