Imagine que uma empresa resolve testar as habilidades de candidato a emprego, colocando-o para operar máquina de grande porte, e acontece um acidente. Será que ela deve ser responsabilizada, mesmo sem a existência de um contrato de trabalho formal? A 2ª Turma do TRT mineiro entendeu que sim, ao analisar um recurso envolvendo exatamente essa situação. Com base no voto da desembargadora Maristela Íris da Silva Malheiros, os julgadores reformaram parcialmente a sentença e condenaram uma empresa de locação de máquinas a pagar ao trabalhador pensão mensal, além de indenização por danos morais no valor de R$15 mil.
O candidato se acidentou quando operava um rolo compactador que, conforme observou a julgadora, seguramente pesava toneladas. Para ela, esse fato por si só já seria uma situação de alto risco. No caso, o risco se acentuou ainda mais pelo fato de o local ser íngreme e o equipamento ser velho. Nesse sentido, a testemunha indicada pelo trabalhador afirmou que “a máquina estava subindo, parou do nada, e tombou”. Segundo o relato, o equipamento era de 1973 e o terreno acidentado.
Para a julgadora, é evidente a responsabilidade da contratante pelo ocorrido. “Não há dúvida de que a conduta da empresa foi absolutamente negligente e imprudente, afinal deixou o autor conduzir uma máquina perigosa, velha e em local de risco logo em um teste para ser contratado, acarretando o grave acidente”, ponderou no voto.
O depoimento do representante da empresa também foi levado em consideração para a formação do convencimento. É que ele disse que o trabalhador fez um dia de teste para a função de compactador numa obra, mas não foi contratado. Na carteira de trabalho, como destacou, constava que tinha experiência e o teste foi feito para ver se o candidato tinha aptidão. O procedimento foi indicado como sendo o adotado pela empresa. O homem afirmou que não havia técnico de segurança, por se tratar de empresa de locação de equipamentos para obras. Esclareceu que os serviços podem se dar por um tempo ou poucas horas. E não soube informar sobre a utilização de equipamentos de segurança. Por fim, declarou que o socorro foi prestado por um funcionário da empresa.
Diante desse contexto, a julgadora concluiu que a empresa não conseguiu provar o cumprimento de normas de segurança, como deveria. “Se a obrigação de manter um ambiente do trabalho seguro está a cargo da empresa contratante, a ela cabia provar o cumprimento de tal obrigação, salvo se presentes elementos convincentes em sentido contrário”, ponderou, entendendo não ser este o caso.
A circunstância de se tratar de fase pré contratual não evitou a condenação. Na fundamentada decisão, a magistrada pontuou que, mesmo assim a empresa está obrigada a observar o dever geral de cautela para evitar acidentes e danos ao candidato ao emprego. No caso, a pessoa avaliada em teste operacional. Conforme avaliou, entendimento contrário importa violação aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (artigo 1º, III e V, da Constituição da República), aos dispositivos constitucionais que promovem a valorização e dignificação do trabalho humano no contexto da ordem econômica e social do país (artigos 170 e 173 da Constituição da República).
“O obreiro se acidentou em atividade que sequer consta do contrato social da reclamada, presumindo-se sua ausência de experiência ou expertise em tal atividade, além da ilegalidade pela própria execução da atividade”, frisou, entendendo que a empresa de locação de máquinas deve reparar os danos causados. Ao caso, aplicou o disposto nos artigos 186 e 927 do Código Civil.
Culpa exclusiva da vítima rejeitada – A tese de culpa exclusiva da vítima foi refutada, por falta de prova, citando a decisão lição do jurista e desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira: há “uma cultura arraigada no Brasil de atribuir a culpa dos acidentes às ‘falhas humanas’, “inevitável fatalidade” ou aos ‘atos inseguros´” da própria vítima’ (culpabilização da vítima), desprezando todo o contexto em que o trabalho estava sendo prestado” (Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 9ª Ed. LTR: São Paulo, 2016. página 237). Na visão da julgadora, não se pode admitir a situação, principalmente em face dos avanços havidos no que tange à responsabilidade civil na questão do acidente do trabalho.
Teoria do risco – Ainda que a culpa da empresa no infortúnio que vitimou o trabalhador não tivesse sido comprovada, a magistrada entendeu se aplicar ao caso a responsabilidade objetiva consagrada no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil. Nessa linha, lembrou que a imputação da responsabilidade decorrente de ato ilícito e consequente indenização por danos materiais ou morais exige, via de regra, a ocorrência concomitante de três requisitos: o dano e nexo de causalidade entre este e a conduta culposa ou dolosa do agente (art. 186 e 927 do Código Civil). Contudo, explicou, o legislador, atento às transformações sociais e econômicas ocorridas em nossa sociedade, instituiu a possibilidade de reconhecimento da responsabilidade objetiva do agente causador do dano, conforme o disposto no artigo 927, parágrafo único do Código Civil de 2002, que assim prevê:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvidas pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
De acordo com a desembargadora, para que seja aplicada a teoria do risco é necessário que a atividade desenvolvida pelo autor do dano induza, por sua própria natureza, a um risco mais elevado de lesão aos direitos de outras pessoas. No caso dos autos, ficou demonstrado que a empresa desenvolvia, dentre outras atividades, a terraplanagem. Exatamente a atividade que o trabalhador executava quando se acidentou. No entendimento da magistrada, trata-se de atividade notoriamente de risco, ainda mais quando executada nas condições apuradas. “Tal circunstância impõe à contratante a responsabilidade de natureza objetiva, que dispensa a demonstração de eventual conduta culposa por parte da empresa”, reconheceu.
Fase pré-contratual – Quanto ao fato de o acidente ter ocorrido na fase pré-contratual, a relatora considerou irrelevante para o desfecho da questão. Para ela, é inegável que a atividade profissional desempenhada pelo trabalhador era de risco, sendo de natureza objetiva a responsabilidade da empresa. Diante desse contexto, concluiu que o homem conseguiu provar os pressupostos legais para a condenação da ré nas indenizações pretendidas (artigos 818 e 373, I do CPC/2015).
As reparações – Nos casos de acidente do trabalho, é devido o pagamento de lucros cessantes desde a data do acidente até o fim da convalescença. Depois disso, caso subsista redução da capacidade laborativa, devido o pagamento de pensionamento (artigo 950, CC/02).
No caso, a prova pericial realizada revelou que o trabalhador foi vítima de acidente de trabalho típico em junho de 2015 e apresenta sequelas permanentes de traumatismo do membro superior direito que determina uma redução da capacidade laborativa avaliada em 35% de acordo com a Tabela da SUSEP e um prejuízo estético a critério do juiz.
Diante desse quadro, a empresa foi condenada a pagar ao trabalhador, mensalmente, a importância de 35% sobre o valor de R$ 1.450,00 (apurado como o valor médio dos rendimentos dele), reajustável de acordo com os índices da categoria, de forma vitalícia. A empresa deverá constituir capital para garantir o cumprimento da obrigação, na forma de uma poupança em valor mínimo de R$300.000,00.
Danos morais – A magistrada considerou indiscutível o dano moral experimentado pelo trabalhador, ante a incapacidade parcial permanente experimentada e ainda por ter sido vítima de acidente grave, com fratura exposta e submetido a cirurgia. No que se refere ao valor, considerando os parâmetros traçados na decisão e levando-se em conta o porte da empresa cujo capital social foi elevado de R$ 100.000,00 para R$ 600.000,00 na alteração contratual, arbitrou a indenização por danos morais em R$ 15 mil, atualizáveis a partir da data de publicação desta decisão e juros de mora desde o ajuizamento da ação (Súmula 439 do c. TST).
Danos estéticos – rejeição – Os danos estéticos, por sua vez, conforme esclarecido, dizem respeito à reparação por se ter uma anomalia indesejada na sua imagem-retrato, fazendo-o sentir-se fisicamente diferente dos seus semelhantes, prejudicando sua autoestima. No caso, isso não ocorreu, razão pela qual o pedido de reparação por dano estético foi indeferido.
Processo: PJe: 0010453-11.2015.5.03.0102 (RO) — Acórdão em 22/06/2017
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região