A OAB-RJ anunciou, em 28 de julho, a adoção de uma medida judicial preparatória à recuperação judicial da Caixa de Assistência da Advocacia do Estado do Rio de Janeiro (Caarj). A iniciativa busca tirar a Caarj do status de superendividada e garantir a continuidade dos serviços assistenciais prestados à advocacia fluminense.
Especialistas e a jurisprudência dos tribunais, todavia, divergem sobre a possibilidade de uma caixa de assistência de advogados se submeter a recuperação judicial. Ainda assim, há consenso de que essas entidades podem pedir medidas judiciais que ajudem a evitar sua insolvência.
A OAB-RJ e a Caarj identificaram uma dívida de aproximadamente R$ 134 milhões da entidade. A ausência de repasses das custas judiciais desde o início do ano agravou ainda mais a situação financeira, comprometendo os acordos firmados com credores e colocando em risco o patrimônio da instituição.
No dia 6 de agosto, a 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro concedeu liminar favorável à suspensão das execuções em curso contra a Caarj. Em seguida, a OAB-RJ iniciou um processo de mediação na Fundação Getulio Vargas para viabilizar um acordo com os credores que possibilite o pagamento das dívidas sem interromper os programas de assistência da Caarj.
“Estamos lidando com uma situação delicada e que exige total transparência com a advocacia. Esta medida judicial foi a única alternativa possível diante da magnitude da dívida e da falta de receitas. Já há leilões de imóveis da Caarj marcados para agosto, o que nos obriga a agir com firmeza. Sem essa recuperação judicial, essa dívida vai se tornar impagável. O objetivo da medida judicial é negociar com os credores de forma responsável, com boa-fé, para preservar a Caarj, que tem um papel assistencial fundamental para a classe”, afirmou a presidente da OAB-RJ, Ana Tereza Basilio.
Ela também destacou o esforço conjunto da gestão para preservar os serviços da Caixa, mesmo com severas limitações orçamentárias. Apesar da alta inadimplência e da escassez de receitas, a OAB-RJ está promovendo cortes e economias em diversas frentes para continuar oferecendo parte dos serviços que caberiam à Caarj.
O tesoureiro da OAB-RJ, Fábio Nogueira, reforçou a necessidade da medida e destacou que a ação visa impedir danos ainda maiores à estrutura da Caixa. “Estamos diante de um passivo descoberto de aproximadamente R$ 32 milhões, porém confiantes de que conseguiremos o deferimento da liminar para preservar os ativos da entidade e manter, ainda que parcialmente, os serviços prestados à advocacia”, explicou Nogueira.
Até o dia 15 de agosto, foram feitas cerca de 30 sessões de mediação com credores. Mais 15 reuniões estão agendadas para os próximos dias.
Jurisprudência conflitante
Não há consenso se a Justiça pode autorizar recuperação judicial de caixa de assistência da advocacia. Há precedentes que autorizam a recuperação judicial de associações civis sem fins lucrativos, como os casos das entidades de ensino Fundação Cândido Mendes e Grupo Metodista. E há decisões proibindo a medida. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que associações e fundações civis sem fins lucrativos não preenchem os requisitos legais para pedir recuperação.
Para fundamentar seu pedido, a Caarj alega que, embora seja formalmente uma associação civil sem fins lucrativos, isso não impede a concessão de liminar (e posteriormente uma recuperação judicial), pois desenvolve atividade econômica organizada, com geração de empregos e circulação de riquezas, aponta Andressa Kassardjian Codjaian, advogada de Direito Empresarial Cível do PGLaw.
E a jurisprudência já admite, em casos semelhantes, a aplicação do regime de reestruturação a entidades dessa natureza. Andressa corrobora o argumento da Caarj de que, mesmo que o juízo não entenda ser possível a recuperação judicial, permanece viável a concessão da medida com base na aplicação analógica da legislação falimentar ao processo de insolvência civil.
Ao conceder a liminar, o juiz da 2ª Vara Empresarial do Rio afirmou que a “Caarj possui natureza jurídica de pessoa jurídica de Direito Privado, atuando, de certa forma, como operadora de plano de saúde”. “Em futura recuperação judicial, será possível analisar o aspecto empresarial da atividade, o que, a princípio, se verifica, nada obstando o deferimento liminar das medidas pleiteadas.”
Dúvida sobre recuperação
Domingos Refinetti, sócio da área de contencioso judicial estratégico do WK Advogados, afirma ser difícil enquadrar as caixas de assistência dos advogados como agentes econômicos ou exercentes de atividade econômica, com intuito de lucro, para qualificá-las como sociedades empresariais.
A Lei de Falências (Lei 11.101/2005) exige a finalidade lucrativa para a recuperação judicial (artigo 1º). Também excluiu do procedimento as entidades de previdência complementar, atividade em grande parte desenvolvida pelas caixas, conforme previsto no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), que atua nos campos de saúde, previdência e assistência social.
Apesar de terem autonomia formal, as caixas de assistência dos advogados são órgãos do conselho seccional. Portanto, integram a estrutura maior da OAB e se sujeitam à sua supervisão, segundo Refinetti.
“Tanto que, em caso de extinção ou desativação da caixa, seu patrimônio se incorpora ao do conselho seccional, o que reforça, caso se verifique patrimônio negativo, a lógica de liquidação é interna (extrajudicial), e não de recuperação judicial. É preciso ressaltar que a recuperação judicial pode trazer como consequência a falência da sociedade que a requer, o que tampouco parece se coadunar com a natureza de uma caixa de assistência”, avalia o advogado.
“Embora a jurisprudência e parte da doutrina tenham buscado ampliar a legitimidade ativa para o requerimento de recuperação judicial às cooperativas, às associações, às fundações, às operadoras de planos de saúde e às universidades (tema que parece-me ainda bastante controvertido e irresoluto de forma definitiva), entendo que, mesmo levando em consideração tal esforço, essa tese não deveria alcançar as caixas de assistência, especialmente diante de sua natureza jurídica e do vínculo orgânico com a OAB”, opina Refinetti.
Ele menciona a controvérsia sobre a competência para apreciar pedidos relacionados às caixas de assistência. Existem precedentes que atribuem tal competência à Justiça estadual. Porém, o STJ já decidiu que, por serem órgãos vinculados diretamente à OAB e prestarem serviços públicos, as caixas de assistência estariam sujeitas à competência da Justiça Federal (Conflitos de Competência 36.557; 38.230 e 39.975).
OAB não pode
Há dúvidas sobre a possibilidade da Caarj se submeter à recuperação judicial, mas não quanto à OAB-RJ, opinam especialistas.
Afinal, a OAB é uma autarquia, isto é, uma entidade administrativa autônoma, criada por lei, com personalidade jurídica de Direito Público e patrimônio próprio. E o artigo 2º da Lei de Falências proíbe o pedido de recuperação judicial de empresas públicas.
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Processo 0909422-92.2025.8.19.0001
Fonte: Consultor Jurídico