A aprovação na Câmara dos Deputados de um projeto que altera a Lei de Falências e Recuperação Judicial gerou críticas entre advogados e entidades de classe. Para eles, o PL, que ainda vai para o Senado, pode gerar judicialização nos processos de renegociação de dívidas das empresas.
O texto, que passou na última terça-feira na Câmara, dá mais poder aos credores, que poderão, por exemplo, escolher o administrador judicial, hoje definido pela Justiça. A mudança ocorre em um momento de alta nos pedidos de recuperação judicial no país, que subiram 68,7% no ano passado em relação a 2022.
Em 2023, 1.405 empresas, como Americanas e Southrock, operadora da Starbucks, recorreram à medida judicial.
Especialistas dizem que a alteração nas regras poderá beneficiar, principalmente, os maiores investidores, como fundos de investimentos. O PL vai permitir ainda que os próprios credores possam decidir a melhor forma para receber seus recursos, por meio da venda de ativos, sem depender do aval da Justiça. Os créditos trabalhistas também não terão mais prioridade no recebimento, como ocorre hoje.
Com o novo PL, que teve relatoria da deputada federal Dani Cunha (União-RJ), o administrador judicial se tornará uma espécie de gestor fiduciário, que será o responsável em realizar o leilão da venda de ativos (para gerar caixa) e elaborar o plano de recuperação judicial. Hoje, esse processo é feito pela empresa e precisa ser aprovado pelos credores em uma assembleia.
Para especialistas, o PL afeta os mais de 10 mil processos de falência em curso no Brasil, como os da Vasp e do Banco Santos.
— A aprovação do PL representou um retrocesso aos avanços conquistados com a lei de 2020, pois esvazia o poder Judiciário e o Ministério Público e empodera credores especuladores, que ditarão os rumos do processo conforme seus interesses. Isso vai trazer mais morosidade, pois a tendência é uma avalanche de judicialização por parte dos prejudicados em busca de seus direitos — diz Mariana Jurado, advogada especialista em insolvência.
Por outro lado, consultores que atuam na área de recuperação judicial afirmam que o PL poderá trazer celeridade nos processos de negociação com credores. Antonio Carvalho, que já atuou em casos envolvendo empresas varejistas, diz que as mudanças mostram aperfeiçoamento na regulação, visto que alguns processos levam anos e não resolvem o problema dos credores.
— São os credores os maiores interessados em renegociar a dívida. Há casos em que a falência é a única alternativa e há demora no sentido de se chegar a isso — afirma Carvalho.
Segundo carta assinada por Manoel Justino Bezerra Filho, doutor e mestre em Direito Comercial pela USP, e Fábio Ulhoa Coelho, professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, entre outros, o projeto de lei é fruto de pouco mais de um mês de tramitação, e precisa de mais debate envolvendo “todos os setores impactados pela legislação”.
O manifesto lembra ainda que o PL vai gerar “insegurança jurídica”, com “afastamento de investidores, escassez e encarecimento do crédito e facilitação de fraudes e conluios”.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lembrou que as mudanças podem contribuir para a demora no encerramento do processo de falência.
Segundo Cybelle Guedes Campos, sócia do Moraes Jr. Advogados, as mudanças trazidas pelo PL podem desestimular as empresas em crise a buscarem a reestruturação na Justiça.
— O texto carece de um amplo debate com a sociedade e, especialmente, com os atores envolvidos nos procedimentos de insolvência, não se justificando a tramitação em regime de urgência. O PL não levou em conta a necessidade de proteção às empresas em crise, deixando de oferecer soluções eficazes e realistas.
Joana Bontempo, da área de recuperação judicial do CSMV Advogados, afirma que o PL introduziu dispositivos que não conversam com a realidade dos processos de insolvência e não estão em linha com o espírito de celeridade.
—Tem o potencial de gerar litígios e impactar a economia, com restrição de acesso ao crédito.
Reportagem publicada originalmente no site do O Globo