A Recuperação Judicial de clubes de futebol passou a ocupar o noticiário esportivo com mais frequência nos últimos anos. Vasco da Gama, Cruzeiro, Chapecoense, Joinville, Santa Cruz, entre outros, são exemplos de agremiações tradicionais que recorreram ao Judiciário para reestruturar seus passivos. Para entender o que isso significa e quais são os efeitos jurídicos da medida, conversamos com nosso sócio Odair de Moraes Júnior, especialista no tema, que tem acompanhado de perto os casos envolvendo clubes brasileiros.
Segundo ele, é importante esclarecer que a Recuperação Judicial não representa o fim da atividade empresarial. Pelo contrário, trata-se de um instrumento previsto na Lei nº 11.101/2005 que permite a reorganização de empresas economicamente viáveis em momentos de crise. Enquanto a Falência encerra as atividades e líquida os ativos, a Recuperação busca preservar o funcionamento da entidade, com proteção dos ativos e renegociação coletiva das dívidas com os credores.
Com a promulgação da Lei da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) em 2021, os clubes passaram a ter novas possibilidades jurídicas para atrair investimentos e reorganizar seus passivos. O caso do Vasco da Gama, por exemplo, é inédito: trata-se do primeiro clube em que tanto a associação quanto a SAF entraram juntas em Recuperação Judicial. Além da relevância esportiva e financeira do clube, a disputa pelo controle da SAF entre os acionistas adiciona complexidade jurídica ao caso, que deve gerar precedentes relevantes.
A partir do deferimento do pedido de recuperação, os bens ficam protegidos e as cobranças individuais são suspensas. Essa medida vale inclusive para penhoras de estádios ou receitas de bilheteria. O clube continua operando, mas sob a supervisão de administradores judiciais, responsáveis por fiscalizar a regularidade das atividades e o cumprimento das obrigações assumidas.
Odair destaca que a Recuperação Judicial de clubes traz desafios próprios, especialmente no que se refere à classe trabalhista. Jogadores, técnicos e membros da comissão técnica fazem parte dessa categoria e têm prioridade legal no recebimento de créditos. Por isso, a organização e o tratamento dessa classe são decisivos para o sucesso da recuperação. Há ainda os acordos celebrados via CNRD (Câmara Nacional de Resolução de Disputas), vinculados à CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que podem gerar discussões sobre a prevalência da legislação associativa ou da legislação falimentar.
A reestruturação também depende de governança. Ao iniciar o processo, o clube se compromete com práticas administrativas mais rigorosas, sob pena de intervenção judicial. “Recuperação Judicial não é bagunça, é um processo de visa preservar a atividade, desde que haja boa gestão”, afirma Odair.
Ainda que não seja um caminho desejado por torcedores, a Recuperação Judicial, quando bem estruturada, pode representar uma oportunidade de reorganização e sobrevivência para clubes com histórico de má administração. Cabe ao Judiciário, à gestão interna e aos credores conduzirem esse processo com responsabilidade e transparência, considerando não os interesses econômicos, mas a função social e cultural dos clubes no contexto brasileiro.