Inteligência artificial tem sido o tema do momento nos últimos dois anos, impactando diversas áreas do conhecimento, de formas diferentes. No Direito, a coisa não poderia ser diferente. A expansão da IA na advocacia insere-se em um movimento de reconfiguração estrutural dos serviços jurídicos, no qual a incorporação de sistemas algorítmicos deixa de ocupar posição experimental para integrar, de forma sistemática, a lógica operacional de escritórios e departamentos jurídicos.
O fenômeno, perceptível, tanto em mercados de alta maturidade regulatória, quanto em jurisdições em desenvolvimento, exige um exame simultâneo das dimensões tecnológica, regulatória e estratégica que moldam sua trajetória.
O precedente britânico e o desenho institucional
A decisão da Solicitors Regulation Authority (SRA) de autorizar a Garfield.Law como primeira estrutura integralmente sustentada por inteligência artificial no Reino Unido delineia uma nova moldura institucional. A atuação restrita a cobranças de pequeno valor, com ênfase em volume e padronização, opera sob protocolos de supervisão humana, registros auditáveis e salvaguardas contra vieses e respostas imprecisas. A formulação desse modelo evidencia a capacidade de acomodar automação avançada em contextos sensíveis, mediante mecanismos de controle que preservam a integridade do serviço jurídico.
A experiência britânica projeta-se como referência para outras jurisdições ao demonstrar que a implementação de IA em funções tradicionalmente reservadas a advogados demanda engenharia tecnológica aliada a um regime normativo capaz de assegurar previsibilidade e accountability. Nesse sentido, a interrogação sobre como utilizar a IA na advocacia desloca-se para o campo da governança e da arquitetura institucional.
Estratégias de incorporação nos grandes escritórios
Estudos recentes conduzidos junto a integrantes do AmLaw 100 revelam um padrão de adoção no qual a experimentação controlada ocupa papel central. Os projetos-piloto têm demonstrado reduções drásticas no tempo de execução de tarefas padronizadas como respostas processuais que consumiam dezesseis horas de trabalho convertidas em minutos, com incrementos de acurácia mensuráveis. As direções executivas dessas firmas identificam ganhos de produtividade que reconfiguram a distribuição do tempo profissional, ampliando o espaço para atividades de análise estratégica e interação qualificada com clientes.
A sustentação econômica dessas iniciativas se apoia em modelos de precificação consolidados, nos quais os ganhos obtidos não implicam, necessariamente, compressão de receitas. Os investimentos — frequentemente superiores a oito dígitos em moeda forte — são internalizados como ativos estratégicos, recuperáveis por meio da valorização da taxa horária e da ampliação do escopo de serviços. Nesse arranjo, a pergunta sobre qual a melhor IA para advocacia converte-se em uma avaliação de aderência a requisitos técnicos, normativos e estratégicos específicos de cada organização.
O panorama brasileiro e a institucionalização do uso
No Brasil, a inteligência artificial no direito encontra aplicação já consolidada em órgãos judiciais, com iniciativas como o Projeto Victor (Supremo Tribunal Federal), o Logos (Superior Tribunal de Justiça) e o ELIS (Tribunal de Justiça de Pernambuco). Essas plataformas operam em funções de classificação processual, sugestão de minutas e gestão de grandes acervos, sob parâmetros definidos pelo Conselho Nacional de Justiça. A tramitação do Projeto de Lei nº 2.338/2023, que institui o marco legal da inteligência artificial, acrescenta camadas de regulação, ao prever obrigações de governança algorítmica, avaliações de impacto e protocolos de mitigação de riscos.
Esse contexto normativo amplia o escopo de compreensão de como a inteligência artificial se aplica no direito, deslocando a análise do inventário de casos de uso para a observância de um regime ancorado em princípios de transparência, rastreabilidade e supervisão qualificada.
Aplicações e vetores de diferenciação
Entre as aplicações já exploradas em diferentes jurisdições, destaca-se a revisão em larga escala de documentos contratuais, a pesquisa jurisprudencial com suporte algorítmico, a análise preditiva de cenários processuais, a modelagem financeira em processos de Recuperação Judicial e a detecção de padrões em investigações patrimoniais. Esses recursos tendem a influenciar a organização do trabalho jurídico e a estruturação futura de serviços.
Algumas iniciativas buscam estabelecer metodologias de uso da IA que combinem bases de conhecimento internas, protocolos de validação e métricas de desempenho. Esses modelos funcionam como referências para avaliar a consistência e a segurança da integração tecnológica ao exercício profissional.
A evolução desse processo deverá ocorrer de maneira gradual, permitindo que a atuação humana permaneça no núcleo decisório. A formulação de estratégias jurídicas, a interpretação normativa e a condução das relações com clientes continuarão a depender do conhecimento técnico e da experiência do advogado, enquanto as ferramentas digitais poderão assumir papéis de apoio e amplificação. O horizonte aponta para um cenário no qual a adoção de soluções tecnológicas será componente relevante na consolidação e no fortalecimento da prática jurídica.