A Lei nº 11.101/2005, que rege os processos de Recuperação Judicial, Recuperação Extrajudicial e Falência, completou duas décadas em 2025. Ao longo desse período, o Brasil consolidou um ecossistema legal que busca preservar empresas viáveis, proteger credores e manter empregos. A reforma de 2020 já trouxe avanços importantes, como o estímulo à mediação, a previsão da insolvência transnacional e o fortalecimento do papel dos credores. Agora, a tramitação de um projeto de lei — o PL nº 3/2024 — reacende o debate: é hora de mais mudanças?
O que prevê o novo projeto?
A proposta atualmente em discussão no Congresso propõe alterações substanciais, sobretudo no procedimento de falência. Entre os principais pontos, estão:
- Substituição do administrador judicial pelo gestor fiduciário, eleito pelos credores;
- Plano de falência obrigatório, com metas de alienação de ativos e pagamento dos credores;
- Prazos mais curtos para a venda de bens da massa falida;
- Redução da interferência judicial, com menos exigências de homologação a cada etapa;
- Novas regras de remuneração e mandato para os administradores judiciais;
- Alterações pontuais na recuperação judicial, para evitar reiterações de pedidos e restringir o uso de créditos já renegociados.
Segundo seus defensores, o PL busca conferir mais agilidade aos processos falimentares, ampliando o protagonismo de quem tem interesse direto na liquidação dos ativos. Também pretende reduzir etapas judiciais e formalidades, com vistas a desburocratizar procedimentos e reintroduzir valores à economia de forma mais célere.
O que dizem os especialistas?
Ainda que o objetivo de tornar o processo mais eficiente seja legítimo, juristas e operadores do Direito apontam pontos de atenção no texto. Um dos temas mais debatidos é a figura do gestor fiduciário, que exerceria funções semelhantes às do administrador judicial, mas com critérios diferentes de nomeação (que poderiam colocar a imparcialidade do processo em dúvida), remuneração e responsabilização.
Há também dúvidas quanto ao equilíbrio entre agilidade e segurança jurídica. Ao transferir parte do protagonismo ao gestor fiduciário e reduzir a atuação judicial em certas etapas, especialistas alertam para riscos de concentração de poder sem salvaguardas claras. Além disso, discute-se a ausência de critérios objetivos para a qualificação dos gestores, ponto que pode afetar a confiança no processo.
E quanto à Recuperação Judicial?
As mudanças propostas em relação à Recuperação Judicial são mais pontuais. O texto estabelece, por exemplo, um intervalo mínimo de dois anos entre encerramentos e novos pedidos, além de medidas para evitar reestruturações repetidas sobre os mesmos passivos. Também propõe ajustes sobre bens de capital e a relação com garantias fiduciárias.
No entanto, vale destacar que a Recuperação Judicial segue sendo reconhecida como um instrumento valioso de preservação da atividade econômica. A própria justificativa do projeto reconhece a importância do instituto, focando seus esforços na revisão do regime falimentar.
Um caminho que precisa de equilíbrio
Como toda mudança legislativa relevante, a proposta exige análise criteriosa e debate técnico qualificado. A Reforma de 2020 ainda está em processo de consolidação, e parte dos dispositivos implementados há poucos anos ainda não teve tempo de maturação na jurisprudência. Por isso, diversas instituições defendem que o aprimoramento da legislação ocorra com amplo diálogo entre credores, devedores, magistrados, advogados e demais atores do sistema.
A Lei nº 11.101/2005 já demonstrou sua relevância como marco na política de enfrentamento da crise empresarial. Seu aperfeiçoamento contínuo é desejável, desde que orientado por critérios técnicos, escuta qualificada e foco na preservação do equilíbrio entre eficiência, transparência e justiça processual.