A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que as normas protetivas do Estatuto da Terra não valem para grandes empresas rurais, já que sua aplicação se restringe exclusivamente a quem explora a terra pessoal e diretamente, como típico homem do campo.
Portanto, não cabe direito de preferência quando o arrendatário rural é empresa de grande porte, pois a incidência de normativos do estatuto violaria os princípios da função social da propriedade e da justiça social.
A controvérsia em torno do exercício do direito de preferência por arrendatário rural de grande porte foi apresentada em recurso especial envolvendo proprietários de terra e a S. Agropecuária, que arrendou uma propriedade para pastagem de gado de corte.
O contrato
De acordo com os autos, a S. Agropecuária firmou contrato com o espólio do proprietário de uma fazenda no Tocantins pelo prazo de um ano. O contrato também previa que em caso de venda da propriedade, o arrendatário desocuparia o imóvel no prazo de 30 dias.
Antes do término do contrato, o imóvel foi alienado à empresa B. F.. A S. Agropecuária apresentou proposta para a aquisição do imóvel, mas a oferta foi recusada e a fazenda acabou sendo vendida para terceiros que ofereceram um valor mais alto.
A agropecuária ajuizou ação de preferência com base no Estatuto da Terra. O Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) acolheu o pedido por entender que o direito de preferência não está condicionado exclusivamente à exploração pessoal e direta da propriedade, mas também à promoção da reforma agrária, à política agrícola estatal e ao uso econômico da terra explorada. Assim, a limitação prevista na lei não teria validade.
Justiça social
Para o relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o entendimento do TJTO não é o mais adequado ao princípio normativo e ao caráter social do Estatuto da Terra, que deve ser interpretado à luz da função social da propriedade e da justiça social.
Em seu voto, o ministro reconheceu que nem sempre esses dois princípios andam juntos, já que o princípio da justiça social preconiza a desconcentração da propriedade das mãos de grandes grupos econômicos e de grandes proprietários rurais, para que o homem do campo e sua família tenham acesso à terra e o trabalhador rural seja protegido nas relações jurídicas do direito agrário.
Citando várias doutrinas, Paulo de Tarso Sanseverino concluiu que o direito de preferência atende ao princípio da justiça social quando o arrendatário é homem do campo, pois possibilita sua permanência na terra na condição de proprietário.
Porém, quando o arrendatário é uma grande empresa do chamado agronegócio, esse princípio deixa de ter aplicabilidade diante da ausência de vulnerabilidade social. Ou seja, “embora o princípio da função social seja aplicável, o da justiça social não o é”, afirmou o relator.
Para Sanseverino, nesses casos, ocorre a incidência do Código Civil, que não prevê direito de preferência, cabendo às partes pactuarem cláusula específica com esse teor, o que não foi feito no caso julgado.
O ministro enfatizou que entendimento contrário possibilitaria que grandes empresas rurais exercessem seu direito de preferência contra terceiros adquirentes, ainda que estes sejam homens do campo, “invertendo-se a lógica do microssistema normativo do Estatuto da Terra”.
A decisão que acolheu o recurso e julgou o pedido de preferência improcedente foi unânime.
Processo: REsp 1447082
Fonte: Superior Tribunal de Justiça